Porque vivo no Montijo

Published in 2020.

As nossas experiências de vida definem o que apreciamos. Para eu conseguir explicar porque vivo no Montijo tenho que explicar um pouco as minhas vivências.

Entroncamento

Os meus primeiros 18 anos foram passados no Entroncamento. Era uma cidade pequena com cerca de ~18,000 pessoas. Muita gente vivia em moradias relativamente recentes (1990-2000), os prédios tinham 3 ou 4 andares, facilmente percorria-se a cidade em 1 hora. Existiam bastantes parques e via-se muitos jovens a brincar na rua. Eu passava a maioria do tempo livre na rua a brincar com os meus vizinhos ou amigos da escola. A Natureza estava a uns minutos de distância. Ía regularmente ao Parque Verde do Bonito a pé e de carro ía até Torres Novas, Castelo de Bode, Vila Nova da Barquinha, entre outros.

Arroios, Lisboa

Aos 18 anos fui estudar para Lisboa. Aluguei um quarto a 5 minutos da universidade e fiquei lá os 4 anos seguintes (2010 - 2014).

As condições das casas de Lisboa eram completamente diferentes das do Entroncamento. Os prédios tinham 5 ou mais andares e cada apartamento tinha metade do tamanho. Os preços das casas em Lisboa já eram os mais altos do país mas muito abaixo dos praticados hoje. Os prédios estavam uns em cima dos outros. Recordo-me de ir ver quartos para alugar que estavam abaixo do nível do chão e que só tinham uma janela no quarto mesmo ao alto que estava ao nível do chão da rua. Tinha também um amigo da faculdade a alugar um quarto sem janela num apartamento com alguns 5 quartos. Eu chamava à minha rua a rua dos cocós porque o passeio estava sempre cheio de cocós de cão.

Para se deslocar em Lisboa era fácil, bastava utilizar-se o metro. Quando o metro não ficava perto tínhamos os autocarros, os comboios e táxis. Transportes públicos chegavam a todo o lado, e não tínhamos que nos preocupar com estacionamento. Eu nunca fui muito de ir a bares e discotecas mas quando ía o normal era ir de metro e voltar de táxi.

O trânsito em Lisboa era muito intenso. Apesar de todos os transportes públicos que existiam, existiam muitos carros de um lado para o outro. A cidade estava desenhada para os carros. As pessoas estacionavam em qualquer sítio, sendo normal estacionar em cima dos passeios, mesmo que isso implicasse os peões terem que dar a volta pela estrada. As crianças, mesmo que quisessem, não conseguiam brincar na estrada porque estavam sempre a passar carros. Era muito raro ver alguém a brincar na rua.

Eu sempre achei a maioria das zonas de Lisboa seguras. Às vezes vinha às tantas da manhã da universidade ou da casa de amigos a pé até casa e não se via ninguém na rua a não ser as "meninas" à volta do IST à procura de companhia. Infelizmente houve uma vez que fui sair com amigos à noite e no caminho de volta parámos no McDonalds. Quando voltei ao carro, vi que o assaltaram. Felizmente não levaram nada porque também não tinha nada para levarem. Enfim.

Demorei muito tempo até conhecer bem Lisboa. A maioria do tempo era passado na universidade ou em casa. Quando ía de um lado para o outro, ía de metro, que é subterrâneo, pelo que não permite desenvolver qualquer sentido de orientação. Só quando comecei a levar o carro para Lisboa ou a fazer grandes passeios a pé é que comecei a conhecer melhor. Para mim é importante conhecer-se onde se vive. Faz-me sentir em casa.

Ía ao Entroncamento com bastante frequência. Tipicamente ía de comboio. Comecei por ir todos os fins de semana mas à medida que os anos foram passando comecei a ficar mais independente (p.e. lavar a roupa e passá-la a ferro) e comecei a ir a cada duas ou três semanas.

De vez em quando ía jantar com amigos a casa deles ou a algum lado. Viviamos todos relativamente perto uns dos outros então era fácil combinar qualquer coisa em cima da hora. Quando íamos jantar fora, íamos quase sempre a um Shopping. Existiam (e felizmente ainda existem) pastelarias mesmo boas em Lisboa. Sempre que havia uma razão para se comemorar lá íamos nós para a Choupana. Ainda hoje vou lá de vez em quando.

Benfica, Lisboa

No fim do 4º ano, em 2014, decidi deixar a casa onde estava e aluguei um quarto a um amigo em Benfica. Fiquei lá cerca de 1 ano. Ía e vinha para a faculdade de metro ou de comboio, conforme o que me apetecesse. Benfica era mais tranquilo que Arroios e já não tinha os prédios tão em cima uns dos outros. A população que vivia tendia mais para o idosa. Monsanto era mesmo ali ao lado e para mim era o parque que nunca mais acabava.

Reboleira, Amadora

Após passar demasiadas noites na casa dos pais da minha namorada (chamada Patrícia), decidi ir viver com eles. O apartamento situava-se na Reboleira. Fiquei lá os 2 anos seguintes, entre 2015 e 2017.

Toda a gente achava que viver na Reboleira ou na Amadora era terrível, super inseguro, etc etc, mas não era assim tão mau, pelo menos em termos de segurança. Os prédios eram ainda maiores que os de Lisboa. As pessoas que viviam no prédio eram muito mais diversas. Nós viviamos no 3º andar e quando se ía pelas escadas, por cada andar que se passava era um cheiro diferente que estava no ar. De manhã ouvia-se o vizinho de cima a rezar. À tarde ouvia-se o vizinho do lado a pôr hip-hop para os vizinhos ouvirem. O comboio era mesmo ao lado de casa. Por um lado era bom porque ir para a universidade ou para o trabalho era fácil, bastava apanhar o transporte e passados 40 minutos estava no outro lado. Por outro lado ouvia-se o barulho do comboio a passar à noite.

Estacionar o carro ao pé de casa era muito difícil, tão difícil que esse acontecimento tinha bastante impacto no dia à dia quando saíamos de carro. Tínhamos que pensar nas horas a que tínhamos de chegar a casa para conseguir arranjar lugar. Estacionar longe de casa também não inspirava muita confiança porque apesar de não ser o sitío mais inseguro, também não era propriamente o mais seguro. Quem é que gosta de deixar o carro a 100 metros de casa?

Acho que nunca fui a nenhum restaurante na Reboleira enquanto estive lá. Quando ía comer fora ía a restaurantes que gostava que ficavam perto do local de trabalho ou a um Shopping.

Venteira, Amadora

Eventualmente chegou o momento em que eu e a Patrícia decidimos ir viver sozinhos. Eu já estava a trabalhar para uma empresa cujo escritório situava-se em Alvalade e dava-me jeito que pudesse utilizar transportes públicos para ir para o trabalho.

Mudámos-nos para o melhor apartamento T2 que conseguimos encontrar até 600€ (70m2, preços de 2017). Ficava no centro da Amadora. O apartamento tinha acabado de ser remodelado pelo que até tinha bastante bom aspecto. A casa não tinha máquina de lavar loiça e também não tinha muito espaço para ter uma na cozinha, pelo que tínhamos que lavar a loiça à mão. Para compensar, a casa tinha uma varanda onde a nossa gata podia ficar a apanhar sol o dia todo e a inspeccionar o que se passava na rua.

No entanto, bastou uma noite para percebermos que aquela casa não era ideal para nós. A casa situava-se numa das avenidas principais da Amadora. A partir das 6 da manhã os autocarros começavam a passar e ouviam-se tanto dentro de casa que parecia que estávamos dentro dos autocarros. Até as paredes tremiam um bocado. A Patrícia nunca se conseguiu habituar ao barulho. Por causa disso ela ainda hoje usa tampões para os ouvidos para conseguir dormir. Hoje já não precisa deles mas aparentemente é um hábito que é difícil de parar.

A nossa casa também era amiga de baratas. Se bem me recordo tivemos duas pragas de baratas onde tínhamos de acordar durante a noite para fazê-las desaparecer, e bem que elas se escondiam, até dentro da máquina do café. As baratas não estavam só na nossa casa mas no prédio todo. Não era um problema da nossa casa mas sim daquela zona.

No Inverno chovia bastante. O nosso vizinho de cima deixava acumular água na varanda que depois se infiltrava no tecto da nossa varanda, pelo que passado pouco tempo começava a chover na varanda.

Estacionar o carro na Venteira era ainda pior que na Reboleira. Muitas vezes tínhamos que deixar o carro a 200 metros de casa porque não havia outro sítio onde se estacionar. A densidade populacional era ainda maior que em Lisboa. Havia lá muita gente porca (p.e. haviam pessoas que cuspiam para o chão ou cheiravam mal).

Uma vantagem de se viver naquela zona era o mega Continente que havia em Alfragide, que tinha tudo e mais alguma coisa.

A Amadora tinha alguns parques decentes para se fazer exercício físico. Via-se muita gente que em vez de treinar no ginásio treinavam lá.

A cidade tornava-nos deprimidos. Na maioria dos dias o que nos apetecia fazer era ir dar uma volta de carro até Belém ou Sintra.

Eu e a Patrícia começámos a fazer natação nas piscinas na Amadora. Para mim é a melhor memória que tenho da Amadora. As condições da piscina não eram fantásticas mas o professor que tínhamos era, e também como andava lá pouca gente podia estar cada aluno na sua pista. Era tão fixe...

Montijo

Finalmente, passado 1 ano de estarmos na Amadora e de estarmos fartos de estar lá, com alguma família da Patrícia a viver em Alcochete, comigo a fazer pressão no trabalho para começar a trabalhar remotamente a tempo inteiro e depois de muito tempo passado a procurarmos casas na margem sul, conseguimos alugar um fantástico apartamento T2 com 100m2 de 2006 por 480€ por mês (preços de 2018) no Montijo. Nós nunca pusemos por hipótese viver em Almada ou na Caparica por causa da densidade populacional que por ali há. Para nós era o mesmo que viver na Amadora.

Para mim viver no Montijo é o melhor que se arranja quando se quer estar relativamente perto de Lisboa mas ao mesmo tempo se quer viver num lugar calmo. Tem bastantes semelhanças a viver no Entroncamento. Aqui os prédios têm normalmente 4 andares mas também existem muitas moradias. Há muito espaço entre as várias casas, não estão encafuadas umas em cima das outras como em Lisboa ou na Amadora. Assim dá para ver o céu. As ruas estão limpas. Durante o dia há pouco barulho e durante a noite é o silêncio total. Aqui existe estacionamento suficiente para os carros mesmo ao pé das casas. Assim todos conseguem ter o carro ao lado de casa sem terem que estacionar no passeio.

Aqui há bastantes parques ao pé dos prédios onde se vêem algumas crianças a brincar, mas não muitas. Não acredito que a razão seja falta de condições para tal. Acho que é mais porque hoje em dia as crianças só brincam com o telemóvel ou consolas de jogos.

No Montijo também se pode andar à vontade de bicicleta. Parece algo estúpido mas é verdade. Em Lisboa e na Amadora era impossível andar de bicicleta com alguma segurança. Felizmente as câmaras desses concelhos estão a alterar as cidades para estarem mais preparadas para bicicletas. Aqui vê-se muitas pessoas a fazer exercício físico na rua. O facto de haver cada vez mais ciclovias ajuda a que as pessoas movam-se de um lado para o outro de bicicleta e a pé.

Nem tudo é perfeito. Quando vim da Amadora fui-me inscrever nas piscinas municipais do Montijo a assumir que seriam parecidas como as da Amadora. Feito estúpido paguei logo 3 meses porque ficava mais barato. Na primeira aula tive que partilhar a pista com alguns outros 10 alunos. Obviamente que com 10 pessoas numa pista não dá para se fazer muito, especialmente quando o nível dos alunos é bastante díspare. Nunca mais lá voltei, pedi o meu dinheiro de volta e passados meses de andar para a frente e para trás com a câmara municipal para obter o meu dinheiro de volta, chegaram à conclusão que não me o iam devolver porque este caso não era lidado nos termos e condições que assinei... Enfim, serviços públicos têm destas coisas.

Aqui não falta comércio. Temos o Alegro Montijo com a maioria das lojas que se encontram num Shopping em Lisboa como o Colombo ou Vasco da Gama, temos LIDL, Continente, Decatlhon, Leroy Merlin, farmácias em cada esquina, etc. Temos também o outlet Freeport mesmo aqui ao lado em Alcochete. Uma grande diferença dos Shoppings daqui é que são muito espaçosos para o número de pessoas que lá vão. Não é necessário andar-se a desviar das outras pessoas como no Colombo. Para mim a melhor descoberta foi uma empresa chamada Horta Em Casa que entrega frutas e legumes frescos em casa. Isso sim fez diferença. Os alimentos são muito melhores que no Continente por exemplo. Desde que vivo aqui comecei a ir muito mais a restaurantes. A conclusão que cheguei é que por aqui come-se super bem por 20€/pessoa. Ao início eu e a Patrícia íamos comer fora a Lisboa mas quando começámos a conhecer os restaurantes aqui, deixámos de ir.

Ir daqui para Lisboa é bastante rápido. De carro está-se em Lisboa em 20 minutos. De autocarro também é relativamente rápido (na ordem dos 20 minutos também) apesar de nunca o ter utilizado. Quem quiser ir para a baixa de Lisboa de transportes públicos pode ir de carro até ao caís de barco do Montijo onde se apanha o barco até Cais do Sodré. Daqui ao caís do Montijo são 8 minutos de carro e a viagem de barco são mais 30 minutos. De notar que andar nesse barco não é como andar de comboio ou metro. No comboio ou metro há muito barulho, está cheio de pessoas e provavelmente vai-se em pé. De barco vai-se sempre sentado, com vista para o rio e é bastante silencioso.

Ir daqui para qualquer outro sítio em Portugal também é muito prático, desde que se tenha carro. Eu agora quando vou ao Entroncamento vou sempre pela nacional 118. Demoro mais 20 minutos do que se vivesse em Lisboa mas não tenho que pagar portagens e a paisagem é mais agradável. No Verão vou bastante às praias da Costa da Caparica pela A33. Em 25 minutos está-se na Fonte da Telha, uma das minhas praias preferidas. Viver no Montijo implica que se tenha um carro, ao contrário de Lisboa onde se vive bem sem carro.

Um dos grandes factores atractivos do Montijo é a relação qualidade de vida / preço quando comparado com a margem norte. Arranjam-se apartamentos T2 e também T3 de 2003-2006 por 150 mil euros. No centro de Lisboa não se arranjam casas destas, e as que há custam 500 mil euros ou mais. Na Amadora já se arranjam mas custam 300 mil euros ou mais. No entanto, não acredito que isto vá durar muito tempo. Desde que cá estou que o preço das casas (tanto rendas como vendas) têm subido rapidamente. A especulação do possível aeroporto do Montijo assim como várias pessoas a saírem de Lisboa para vir morar para cá têm contribuído para esse aumento. Penso que a actual pandemia vai reforçar este comportamento ainda mais porque há muito (mesmo muito) emprego em Lisboa que é trabalho de escritório que pode ser feito remotamente e como há muitas empresas a aderirem mais ao trabalho remoto, os seus funcionários podem dar-se ao luxo de viver mais longe para ter mais qualidade de vida. É pena porque isto vai aumentar a densidade populacional e provavelmente vai estragar aquilo que mais gosto do Montijo.

Por fim, a melhor vantagem de se viver no Montijo é a de estar mais perto da Natureza. Por aqui vêem-se na rua muitos cavalos, gatos, vacas, cabras, ovelhas, gaivotas, flamingos, entre outros. No outro dia até apareceu um pastor com as suas 100 ou mais ovelhas a pastar no meio da estrada 😂. Os meus colegas do trabalho ficaram a pensar que eu vivia no meio de uma serra.

O Inverno aqui é muito acolhedor. Na rua sente-se o cheiro das lareiras e tanto de manhã como à noite está nevoeiro por causa do rio Tejo. Fica uma paisagem muito bonita.

E é assim a vida no Montijo 😊.